Matéria do site: Revista Educação. Publicada em novembro de 2014
Como as novas abordagens pedagógicas surgidas a partir do
uso tecnológico estão alterando o processo de ensino-aprendizagem nas salas de
aula brasileiras
Paula Ribeiro e Luciana Zenti
Em recente pesquisa realizada
pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
(Apeoesp), pais e alunos declararam acreditar que a tecnologia pode ser uma das
ferramentas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Também é cada vez
mais comum que os estudantes cheguem com seus dispositivos móveis no ambiente
escolar. Em inegável momento de pressão pelo uso de ferramentas digitais em
sala de aula, cabe perguntar: até que ponto a tecnologia está influenciando a
pedagogia? As novas abordagens que começam a aparecer como “modas” no processo
ensino-aprendizagem vão realmente alterar a relação professor-aluno?
Em um cenário onde o uso desses
dispositivos em sala de aula é incipiente, e as pesquisas de avaliação de
impacto ainda estão em estágio inicial, questões como essas estão sendo
formuladas e suscitam todo tipo de reação, inclusive a resistência. Se por um
lado a tecnologia parece uma “onda” invadindo a escola, por outro a instituição
escolar tem natural receio de mudanças. Mesmo assim, especialistas, professores
e gestores podem pressentir que elas estão acontecendo. É o que Alexandre
Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação (CETICbr.), chama de “revolução silenciosa”. “Há um
movimento de mudança, é claro que não na velocidade que gostaríamos, mas as
escolas estão nesse movimento muitas vezes silencioso. ”
Para Alexandre, o principal
impacto na ciência da educação será a passagem para a construção coletiva do
conhecimento – um desafio atual que afeta a escola, quer ela queira, quer não.
“A escola certamente vai ser reinventada. Passará de uma escola menos focada na
aquisição de conhecimento individual para uma conhecimento mais coletivo”,
exemplifica.
Para a professora em Educação,
Comunicação e Tecnologia, da Universidade de Brasília (UnB), Laura Maria
Coutinho, os alunos são os principais agentes dessa transformação em curso.
“Minha hipótese é a de que os alunos já trazem para a sala de aula seus
equipamentos conectados [e isso contribui para as mudanças].” Para ela, esse é
um movimento em ascensão. “Cada vez mais, vamos ter acesso aos meios digitais.
E vamos ter de lutar para que isso ocorra porque é parte da democratização da
educação.”
Uma teoria alternativa
Em dezembro de 2004, o canadense
George Siemens, juntamente com Stephen Downes, lançou um novo conceito de
aprendizagem no texto intitulado Conectivismo: Uma teoria de aprendizagem para
a idade digital. No texto, Siemens critica o behaviorismo, o cognitivismo e o
construtivismo como as três grandes teorias da aprendizagem mais frequentemente
usadas na criação de ambientes instrucionais, sendo que as três foram
desenvolvidas em um tempo em que a aprendizagem não sofria o impacto da
tecnologia – que hoje realiza muitas das operações cognitivas anteriormente
realizadas pelos aprendizes, como armazenamento e recuperação de informação.
Siemens reflete que um dogma central da maioria das teorias
de aprendizagem é a ideia de que a aprendizagem ocorre dentro da pessoa.
“Mesmo a visão construtivista social, que defende que a aprendizagem é um
processo realizado socialmente, promove a primazia da pessoa (e sua presença
física – i.e. baseado no cérebro) na aprendizagem. Estas teorias não abordam a
aprendizagem que ocorre fora da pessoa (i.e. aprendizagem que é armazenada e
manipulada através da tecnologia). Elas também falham em descrever como a
aprendizagem acontece dentro das organizações”, escreve.
Segundo a nova teoria, posteriormente sistematizada no livro
Knowing Knowledge (2006), o conhecimento não é um objetivo ou um estado que
pode ser alcançado ou através do raciocínio ou das experiências. Considerando
que a produção do conhecimento cresceu exponencialmente, os indivíduos devem
aprender a acessá-los. “Não podemos mais, pessoalmente, experimentar e adquirir
a aprendizagem de que necessitamos para agir. (...) Para aprender, em nossa
economia do conhecimento, é necessário ter a capacidade de formar conexões
entre fontes de informação e daí criar padrões de informação úteis. (...) Este
ciclo de desenvolvimento do conhecimento (da pessoa para a rede para a
organização) permite que os aprendizes se mantenham atualizados em seus campos,
através das conexões que formaram”, descreve.
Para o professor aposentado da USP e especialista em
inovação na educação, José Moran, a teoria de Siemens e Downes ainda são
estudos parciais acerca da nova realidade, muito recente. As mudanças pelas
quais passa o campo educacional, entretanto, não desvalidam as teorias
interacionistas idealizadas por pensadores como J. Piaget, Lev Vigotski e Paulo
Freire, que defendem que a aprendizagem é fruto da interação do aprendiz com as
pessoas do mundo. “As teorias continuam válidas, mas começam a ser adaptadas a
um mundo conectado, no qual podemos aprender em espaços, tempos e de formas
muito diferentes, num contínuo entre o encontro físico e digital, impensável
décadas atrás”, avalia.
Mudanças em curso
Há mais de três décadas, o antropólogo, sociólogo e filósofo
francês Edgar Morin tem pensado as mudanças globais da contemporaneidade, entre
elas o avanço da tecnologia da informação. Longe de citar a tecnologia como
reformadora da educação, sua aposta é no pensamento complexo (aquilo que é
pensado em conjunto), e na ideia de totalidade (contra a fragmentação dos
saberes). Sua teoria, indicada, entre outros, no livro Os sete saberes
necessários à educação do futuro (Cortez Editora), aponta para a necessidade de
os professores religarem os seres e os saberes. Seriam as novas tecnologias
instrumentos propulsores – e não veículos – para o professor se apoiar em tais
mudanças?
“Vejo para o futuro uma educação integral, com níveis
distintos de qualidade e intencionalidade pedagógica. O ensino ficará menos
teórico. Será mais vivencial”, diz Anna Penido, diretora do Instituto
Inspirare. Para ela, na prática isso se manifestará em menos aulas expositivas.
“Haverá mais projetos, mais experiências em laboratórios. Serão criadas coisas
a partir do conhecimento, do teste de hipóteses. O conhecimento será mais
vivido e a ênfase na teoria diminuirá.”
Por ora, o impacto desse pensamento se dá em diversas
abordagens que, em comum, têm no uso da tecnologia o cerne para promover
práticas que se coadunam em eixos similares: ensino personalizado (ou
aprendizado adaptativo), compartilhamento de saberes e descentralização da sala
de aula como único ambiente de aprendizagem. Entretanto, elas não devem ser
vistas separadamente – o importante é que o recurso escolhido esteja adequado
ao planejamento e aos objetivos pedagógicos traçados pelo professor, e não o
contrário (a aula planejada para a utilização da ferramenta).
No mundo real
As opções que se apresentam aos professores são cada vez
mais globais, e normalmente vindas de países imersos na cultural digital. Em
2012, o editor da revista Wired e autor do best-seller A cauda longa, Chris
Anderson, lançou o livro Makers – A nova revolução industrial (Elsevier).
Segundo sua teoria, “os últimos dez anos foram de descobertas de novas maneiras
de criar, de inventar e de colaborar na web. Os próximos dez anos serão de
aplicações desses ensinamentos no mundo real”. Já aportado no campo
educacional, o movimento “maker” ou “faça você mesmo” preconiza que alunos e
professores desenvolvam os projetos que desejarem (leia mais na página 42).
“Devemos repensar a divisão em disciplinas, aulas, conteúdos
programáticos e a ideia da sala de aula como único espaço da aprendizagem”,
acredita Adolfo Tanzi Neto, consultor pedagógico e de pesquisas da Fundação
Lemann.
A mudança, porém, é ampla e afeta a concepção da própria
escola e do trabalho docente. Em meados de 2009, o educador português António
Nóvoa publicou o livro Professores: Imagens do futuro presente (Lisboa:
Educa). Para ele, desenha-se neste momento um novo espaço público da educação,
onde deverá ser firmado um novo contrato entre os professores e a sociedade, no
qual os professores devem assumir uma nova capacidade de comunicação e um
reforço da sua presença pública. Neste contexto, o “bom professor” ganha
relevância, definindo-se em função de cinco características: conhecimento,
cultura profissional, tato pedagógico, trabalho em equipe e compromisso social.
Educação em rede
A tarefa de religar diretores, coordenadores e professores
em torno de um mesmo projeto tem se materializado em currículos desenvolvidos a
partir da integração de mídias e tecnologias digitais de informação e
comunicação, chamado de “webcurrículo” por alguns especialistas. Segundo a
pesquisa TIC Educação 2013, os professores já estão ligados nesse movimento:
96% dos docentes de escolas públicas usam ferramentas on-line para preparar aulas
ou atividades do dia a dia. Mas a maior prova dessa mudança talvez seja o
crescente compartilhamento de conteúdos, chamados de Recursos Educacionais
Abertos (REA) (leia mais na página 54).
“O grupo de professores terá de se valorizar, trocar ideias,
falar sobre seus dilemas. E tudo isso em rede, conectado, para aprender com
outras realidades e trazer para a sua os exemplos que estão dando certo”, diz
Priscila Gonsales, diretora-executiva do Instituto Educadigital. Para Priscila,
um dos impactos na relação professor-aluno é o compartilhamento de
experiências. “O professor não precisa aprender primeiro para depois passar o
conhecimento. Todos podem aprender juntos”, acredita.
Quando contemplam diversos recursos multimídia – vídeo, som
e imagem –, os materiais didáticos começam a responder a uma das demandas mais
contemporâneas da educação: o ritmo e a forma de aprendizagem de cada aluno. “A
principal vantagem do uso desses materiais está no fato de promover autonomia e
protagonismo de maneira efetiva para os alunos, pois eles têm controle do
objeto analisado, desde o horário até o local e a forma com que irão
desenvolver o conteúdo”, diz Ailton Luiz Camargo, professor de história do
Colégio Objetivo Sorocaba e da rede municipal de Iperó (SP).
Nesse sentido, uma das fortes tendências apontadas por
especialistas é o ensino híbrido, em que se mesclam aulas presenciais com
atividades virtuais personalizadas: pode ser uma videoaula sobre um tópico em
que o aluno está com dificuldade, um jogo pedagógico para aprofundar um
conteúdo ou um curso on-line inteiro. “A ideia é que educadores e estudantes
ensinem e aprendam em tempos e locais variados”, explica Lilian Bacich, que
pesquisa o tema no seu doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento na
Universidade de São Paulo (USP).
Princípios do conectivismo
* Aprendizagem e conhecimento apoiam-se na diversidade de
opiniões;
* Aprendizagem é um processo de conectar nós especializados
ou fontes de informação;
* Aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos;
* A capacidade de saber mais é mais crítica do que aquilo
que é conhecido atualmente;
* É necessário cultivar e manter conexões para facilitar a
aprendizagem contínua;
* A habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e
conceitos é fundamental;
* Atualização (currency – conhecimento acurado e em dia) é
a intenção de todas as atividades de aprendizagem conectivistas;
* A tomada de decisão é, por si só, um processo de
aprendizagem. Escolher o que aprender e o significado das informações que chegam
é enxergar através das lentes de uma realidade em mudança. Apesar de haver uma
resposta certa agora, ela pode ser errada amanhã devido a mudanças nas
condições que cercam a informação e que afetam a decisão.
Independentemente da abordagem utilizada, as questões
levantadas por pensadores e professores em sua prática diária ainda precisarão
de tempo para obter respostas duradouras. Em momentos de mudanças, é natural
que as tentativas de adaptação sejam permeadas pelo erro-acerto. Mas, assim
como estão ocorrendo transformações nas relações pessoais no espaço social,
elas parecem irreversíveis no ambiente educacional. Resta saber como serão
processadas.
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